Brasil 2000... Terra nossa?

(Crônica escrita e publicada em 2000 no JORNAL TRIBUNA DA IMPRENSA)

Tânia Lúcia Barros

Brasil 2000... Terra nossa?

     O ápice da tragédia nomeada Febem está dando um exemplo de País irresponsável. Quantos dos meninos e jovens lá presentes poderiam estar na segurança dos seus lares se um projeto efetivamente eficaz de reabilitação abrangesse o lar destes brasileiros. Reabilitação do próprio projeto de FHC para o Brasil. Como se não bastasse, o que resta é um órgão deficiente, para não dizer completamente doente, modelo decadente e já declarado morto. Num País onde a preocupação eleitoreira é o que vem na frente, brigar por um sistema exímio de recuperação de menores parece, pasmem, não importar muito.
    O Governador Covas diz não faltar verbas para a Febem. Então o que falta? A pergunta se estende aos assistentes sociais, psicólogos, enfim, a todos que devem responder por um trabalho de tamanho pulso - no bom sentido - e delicadeza .
    Falar em cidadania e exercê-la, no Brasil, deveria ser uma filosofia de vida, principalmente nas escolas e nos meios de comunicação. Afinal, somos uma terra em vésperas de completar 500 anos de descobrimento com um índice absurdo de desemprego, e a nossa distribuição de rendas é das mais injustas. Crescem as populações de rua. É o meu povo que está na rua. Assim como aqueles povos expulsos pela guerra declarada. As cidades, violentas. Violência das mais sutis às mais tradicionais.               Violência é também manter um deficiente preparo dos profissionais. Seja um médico, um industrial não antenado à despoluição do meio ambiente, o policial e o professor que passam por tantas pressões e recebem salário incompatível.
   Portanto, vale repetir, o tema dos discursos que nortearão os 500 anos que se quer comemorar, deve mais que nunca nunca antes enfatizar a educação e as soluções imediatas, criativas e factíveis para o desemprego que impera gerando insegurança, doença e um povo desfalecido para um futuro que continua sendo-lhe ROUBADO.
     Lembremos dos primeiros cronistas que aqui chegaram com a missão de informar ao Rei de Portugal o que encontravam. Um trecho da Carta de Achamento do Brasil, que Pêro Vaz de Caminha, escrivão da frota de Cabral, enviou a D. Manoel , no dia 1º de maio de 1500, diz assim: “Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que (a terra), querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.”
     Mas, como por bem das águas que temos, ainda, nos resta salvar o Brasil, eu finalizo esta crônica citando versos de uma canção da Zélia Duncan “/haja teto pra tanto desabrigo / haja palavra para o que eu não digo/ haja instinto e haja saída pra tanto labirinto.../”. A saída encontrada pelos meninos da Febem foi a única deixada pelos arquitetos do abandono. E somos todos um pouco responsáveis por mais este labirinto sem glória que entrou para a história. 

Poema escalado




Ao sopé da folha em branco
esmaeci ao vislumbrar teus mistéiros, poesia,
como quem não fantasia, pois o real estremece.

Mas segui. Disse a mim mesma: segue! Passo calmo,
que logo a frente um significante ficará sem significado.

E prevendo já o imprevisto, escalei duas léguas-estrofes
como quem não sabe o norte em noite sem cruzeiro do sul.

Quase sucumbi ao ter visões facínoras entre nós,
eu e ela, a poesia.

Invoquei as Musas e as Graças... devo ter invocado erradamente,
pois nesta noite meu único abrigo fora uma caverna onde deixei
o corpo sangrar.

Lembro, assim, da noite tempestuosa...
escalei seis léguas-estrofes
como quem não sabe o norte em noite sem cruzeiro do sul.

Amanheceu. Percebi o sangue seco na pedra.
Descubro, surpresa, que sobrevivi.
As Musas devem ter passado ali, sim. Então uma fada cantarolou lá da
luz que vinha de dentro, como da luz que vinha de fora criando imagens na caverna:
- Vem que já passa da hora, vem escalar sua história!
E acordando, assim, escalei oito léguas-estrofes
como quem não sabe o norte em noite sem cruzeiro do sul.

E aceitei o convite mais uma vez,
seguindo caminho outrora distante.
Paisagens nativas, outras nonsenses:
besouros, morcegos, borboletas e flores...
um tigre, um lobo, o mamute e uma serpente.
Nada me deteve ou contrangiu, nem a visão de mundo recorrente.

E subindo, assim, escalei dez léguas-estrofes
como a quem não importa a falta de norte em noite sem cruzeiro do sul.

Como quem é água corrente, mas coerente.
E como tal desci a montanha em gotas de chuva,
e subi novamente em vapor,
até bem acima da montanha inicial,
escalada em onze léguas-estrofes.

By Tânia B.

Cantigas Trovadorescas (Galego-português)

Cantiga de amigo ( de Martim Codax)
Fonte www.pglingua.org

Retornando ao cenário da primeira cantiga deste trovador, a rapariga pergunta de novo às ondas do mar pelo seu amigo ausente].



Ai ondas que eu vim veer,

se me saberedes dizer


porque tarda meu amigo sem mi?



Ai ondas que eu vim mirar,

se me saberedes contar


porque tarda meu amigo sem mi?


Nota(s):

O retorno ao cenário com que se iniciava a série de cantigas de Martim Codax, com a rapariga apostrofando as ondas do mar de Vigo, parece encerrar como num círculo toda a produção do trovador. Mas talvez não devamos dar excessiva importância a este facto, pois não sabemos em que medida a distribuição das composições nos nossos cancioneiros corresponde à original do poeta.

O uso paralelístico dos verbos veer (verso 1) e mirar (v. 4) poderia interpretar-se como um primeiro e incipiente indício da posterior confusão semântica que se deu na área da ria de Vigo e no Morraço e que acabou por eliminar da fala popular o verbo ver, substituído em todos os casos por mirar (por exemplo, "mirei-te o domingo na festa").



(...) "Como os restantes trovadores do hipotético cancioneiro jogralesco, Martim Codax teria vivido numa época indeterminada dentro do período que compreende a segunda metade do século XIII e talvez também os inícios do XIV. Da segunda das suas cantigas, em que a rapariga manifesta saber que o seu amigo retorna vivo e são e "del-rei amigo", parece deduzir-se que o trovador (que suporemos se identifica a si mesmo com o amigo) andou na corte e talvez em tempo de guerra: estaria pois na corte de algum dos reis castelhano-leoneses desse período, permanentemente em guerra contra os mouros na Andaluzia.

É de notar que, graças ao Pergaminho Vindel, conservamos a melodia de seis das sete cantigas de Martim Codax, facto infelizmente anómalo no nosso trovadorismo profano, por causa de que nem os manuscritos coloccianos (que nos conservaram a maior parte da nossa poesia trovadoresca profana) nem o Cancioneiro de Ajuda nos transmitiram as partituras musicais." (...)

Para ler mais Cantigas trovadorescas entrar no site abaixo:
http://www.agal-gz.org/modules.php?name=Biblio

Cantigas de Santa Maria - de Afonso [o Sábio]

Rosa das rosas e fror das frores,

dona das donas, senhor das senhores.


Rosa de beldad' e de parecer

e fror d' alegria e de prazer,

dona em mui piadosa seer,

senhor em tolher coitas e doores.



Rosa das rosas e fror das frores,

dona das donas, senhor das senhores.



Atal senhor dev' home muit' amar,

que de todo mal o pode guardar;

e pode-lh' os pecados perdõar,

que faz no mundo per maos sabores.



Rosa das rosas e fror das frores,

dona das donas, senhor das senhores.



Devemo-la muit' amar e servir,

ca punha de nos guardar de falir;

des i, dos erros nos faz repentir,

que nós fazemos come pecadores.



Rosa das rosas e fror das frores,

dona das donas, senhor das senhores.



Esta dona que tenho por senhor

e de que quero seer trobador,

se eu per rem poss' haver seu amor,

dou ao demo os outros amores.



Rosa das rosas e fror das frores,

dona das donas, senhor das senhores.


Biografia. O rei Afonso X de Castela, conhecido na historiografia como «o Sábio», nasceu em Toledo em 1221, e faleceu em Sevilha em 1284 com 63 anos de idade. Era filho de Fernando III o Santo (rei de Castela desde 1217, e também de Leão desde 1229-1230) e da sua mulher Beatriz de Suábia. (...)

Para ler mais Cantigas trovadorescas galegas:

www.agal-gz.org/modules.php?name=Biblio

Eu-lírico e subjetivismo: uma reflexão


Artigo resumido: O uso irrefletido de alguns termos nos estudos literários
Por Tânia Barros


Um maior cuidado e reflexão no uso de termos fundamentais da Teoria Literária seriam muito bem vindos aos estudos da literatura principalmente no ensino médio. É preciso problematizar, aprofundar os conceitos muitas vezes usados no estudo da literatura sem apropriada cautela, como os de: subjetividade, interioridade, eu-lírico, autor, sujeito da enunciação. O uso indiscriminado sem o acompanhamento de reflexão, vem gerando tanto nos estudantes do ensino médio como nos estudantes do Curso Superior de Letras, confusões que distorcem e dificultam ainda mais a lida com a disciplina quando este último, por exemplo, começa a lecionar. Este uso frouxo de conceitos e termos dos estudos literários produz distorções que afastam alunos iniciantes da abstração exigida para tal lida.
Num mundo em constante reinterpretarão da realidade e mudanças rápidas em todas as áreas do saber, cabe mais do que nunca uma atenção maior no que toca o ensino da Teoria Literária. Questionar atualmente a subjetividade, o fazer poético, o sujeito enunciador, ficção e realidade é o objetivo deste breve artigo.

Gêneros literários e questionamentos

A questão dos gêneros literários produz discussões e reflexões desde a antiguidade, tomando um tom contestador e renovador pela época do romantismo. Longe está de produzir idéias estanques ainda hoje. Teóricos atuais se empenham em analisar os gêneros historicamente, como Vítor Manuel e Yves Stalloni, sendo este viés histórico um dado que, em parte, explica o fato de não produzirem regras, fórmulas, mas questionamento do fazer literário, facilitando a produção de reflexões nos estudantes quanto ao “modelo aristotélico”.
Trata-se, pois, de um esforço epistemológico de justificar, sim, mas também de contestar a tripartição aristotélica, como diz Stalloni, “juntando-lhe diversos corretivos”.

Subjetividade é pura interioridade (?) e outros conceitos para reflexão.

Será que a subjetividade relacionada à poesia é somente o mundo interior do autor? Será o eu-lírico o autor mesmo? É correto dizer que certos poemas são ficção e outros são representações do real?
A subjetividade do poeta é aquela que em contato com o meio, ou seja, como o exterior, será ou não expressa através do poema. Tal subjetividade está, pois, em diálogo com os objetos do mundo. O subjetivismo é o que está reduzido ao sujeito, segundo uma definição de dicionário (Aurélio), no entanto, em nossa linha de raciocínio aqui, o subjetivo é o que existe no sujeito, sim, mas de forma que quando o poeta se expressa por intermédio do poema, isto que é a interioridade dele, agora é, também, a expressão desse eu na relação com o exterior. Subjetivamente, ou seja, de forma pessoal, esta realidade é percebida e o poeta a reconfigura na corporificação da obra. O artista dá forma a este real percebido, representando-o com sua especificidade existencial que lhe permite extrair de si o real desmascarado.
A poesia, pois, não é apenas a realidade perceptível, é o real dessa realidade que foi desmascarada pela percepção individual do poeta. Nas palavras de Rogel Samuel, “Real é tudo que só pode ser concebido pelo intelecto”. A subjetividade, a visão pessoal do artista, destrona, desloca a realidade distorcida, a realidade percebida pela sociedade.

O eu-lírico é o eu-mesmo?

Sendo o eu-lírico uma entidade conectada à subjetividade do autor, é também o sujeito enunciador do poema. Mas o sujeito-lírico é ou não o autor? Eis uma indagação dos alunos, pois que se passou por muito tempo a idéia que a poesia não é ficção. Ora, há os atuais poemas sem aparentemente sem eu-lírico, poemas descritivos, sem que apareça claramente o sujeito-lírico. No entanto, está ali uma subjetividade, sim, a visão individualizada do mundo, o expressar de algo que se dá de modo diferenciado, impondo-se, tornando clara a interação com o mundo e um transbordamento do eu. A subjetividade é, pois, uma singular relação com o real, portanto, não é autônoma. Existe com o mundo que perfaz o ser e o surpreende, causando o espanto, a poesia.

O eu-lírico fora de si

Michel Collot, contrariamente ao lirismo hegeliano, segundo o qual o poeta constituiria “um mundo subjetivo, fechado e circunscrito”, considera o eu-lírico fora de si mesmo, interado e interagindo no cotidiano, numa dialética realizada entre mundo interior e mundo exterior. Esta seria capaz de mover de dentro do sujeito-lírico um enunciado inteligível ao outro, uma vez que sua compreensão sensível (sentidos, sentimentos) de mundo seria um “estar-no-mundo” e não uma interioridade estéril, fechada em si mesma.
Este sujeito fora de si que pertence a si mesmo, mas também ao mundo que o circunscreve, com o mundo co-move-se, espanta-se e compartilha sua individualidade comovida pelo real. O sujeito lírico moderno na tensão que lhe é proporcionada pelo diálogo com seu exterior “se desaloja” – termo usado por Collot – de si mesmo. Não há aqui uma alienação de si, pois que esta subjetividade é paradoxalmente ainda mais dona de si, mais real quanto maior for o diálogo eu/mundo.
Tal sujeito é transgressor da opressão da realidade que o tranca em si mesmo. Desta forma passa a ser co-autor com o mundo, e deste transbordamento vai constituindo a si mesmo.

Michel, Collot. O Sujeito-Lírico Fora de Si – Tradução de Alberto Pucheu..
Samuel, Rogel. Manual de Teoria Literária. Vozes. 1984.
Stalloni, Yves. Os Gêneros Lierários. RJ:Difel, 2003.

Tânia Barros (Trechos adaptados do seu artigo:Questões sobre o eu-lírico)

O ensino de Literatura no Ensino Médio

Na minha especialização em Leitura e Produção de Textos, entre outras várias e férteis discussões esteve a questão do ensino de Literatura no Ensino Médio, e como este estudo deveria ser. Infelizmente ainda vigora na maioria das escolas, pública e particulares, um mero apelo à memória de datas e "características". Lamentável. Fruição e reflexão passam longe.

Transcrevo aqui um artigo saído hoje (23 de novembro), no Jornal Diário do Nordeste, no caderno Cultura.

"De acordo com LDBEN nº 9.394/96, em seu artigo 35, algumas metas são indispensáveis para que o ensino de língua portuguesa se faça eficiente e atinja objetivos essenciais no ensino médio: consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos; reparação básica para o trabalho e para a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; e aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.

É exatamente sobre o terceiro tópico que recai a literatura posta aqui em seu caráter strictu sensu: arte que se constrói com palavras. Se a literatura é arte, a arte serve para quê? A busca por mais humanidade nas formações de nossos jovens, mesmo no que concerne um conhecimento mais maduro sobre o próprio emocional e sensibilidade, é ingrediente indispensável de qualquer jovem, como bem já ressaltou CÂNDIDO, 1995, p. 249: ´Entendo aqui por humanização [...] o processo que confi rma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, enfim para o semelhante´.

Antigamente, os textos literários serviam apenas como objeto de culto ou, então, como suportes das análises sintáticas e morfológicas. Hoje o alargamento das funções emotivas em sala de aula fez fluir o letramento, como estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita´ (SOARES, 2004, p. 47).

As formas de leitura
O uso de linguagens que abordam contextos de sensibilização em torno de movimentos e causas sociais devem ser bem avaliados quando no processo de escolha para utilização em sala de aula. Algumas formas de literatura, postas como marginais, são trazidas para sala de aula como exemplos, sem quaisquer cuidados quanto á análise estética da obra. Então nunca é demais lembrar que há um limite para a inserção de categorias ditas literárias na escola. Apesar de terem boas intenções, algumas literaturas de cordel, rap, letras de música, são insuficientes por falta de qualidade estética.

É necessário que a partir da escolha das obras, o leitor sinta-se então motivado para a leitura. A fruição estética, nesse caso, é fundamental. Diz respeito à apropriação que o leitor faz da obra, concomitante à participação do mesmo leitor na construção dos significados desse texto; para isso, é interessante que a princípio seja estipulado um tempo para a leitura individual para só então descobrir outros significados para o texto na leitura coletiva. Tudo a fim de uma melhor compreensão de si e do outro.

Parece-me, no ensino fundamental, que o prazer pela leitura é melhor explorado e contextualizado e por isso mesmo a dimensão formativa do leitor é mais eficazmente trabalhado no seu aspecto de humanização. Tal característica se perde no ensino médio quando a turma é incitada a decorar épocas, escoas literárias, datas, autores e mais autores, deixando o estudo de texto resumido tão-somente a trechos e explicações menos densas.

A construção de leitores
É preciso formar na sala um leitor crítico em detrimento superficial, vítima, como bem coloca Humberto Eco. A escola deve prestar muita atenção na busca por métodos que formem nos alunos o gosto literário, o conhecer a tradição literária local e o oferecer instrumentos para uma penetração mais aguda nas obras; a escola não pode desconsiderar a leitura propriamente dita e privilegiar atividades de metaleitura, que seriam atividades paralelas sem funcionalidade maior de compreensão do texto.

Contudo, é necessário que se tenha em sala um professor bem formado que, além de mediador de leitura, portanto leitor especializado, também possuir um conhecimento mais especializado, no âmbito da teoria literária.

É preciso também que a própria escola possua um projeto pedagógico que privilegie um contato de seu alunado médio com o desenvolvimento correto da leitura e sua capacidade de interpretá-la, não apenas decorando datas de passagem e autores. Usa-se ou não o livro didático? Quais são as obras e os autores que devem fazer parte do ´acervo básico´, aqui entendido como livros que serão lidos integralmente durante os três anos do ensino médio? (seleção que pode ser reavaliada periodicamente - talvez de três em três anos -, desde que não comprometa o fluxo proposto inicialmente aos alunos). Que projetos desenvolver com vistas a possibilitar que os alunos leiam outros livros além das indicações do ´acervo básico´? Nessa vertente de discussões, inclui-se a possibilidade de realização de projetos interdisciplinares, que levem à reflexão sobre os gêneros literários e outros gêneros, sobre a linguagem literária e as outras linguagens, entre outras relações possíveis. A literatura brasileira deve ser prioridade, incluindo obras de tradição e contemporâneas significativas. Desse modo, diálogo com outras áreas (artes plásticas e cinema) também faz-se indispensável, atendendo, pois, a atual perspectiva multicultural.

O discurso poético
Outra problemática encontrada no trato com a literatura mais condenada pelos próprios estudantes é o olhar sobre a poesia, quase sempre realizada de maneira sacal e sem objetivos imediatos. É importante que o professor conduza a leitura de poesias pelo o olhar da arquitetura do poema nas suas diversas dimensões - métodos que permitam ver e entender a poesia como uma prática social integrada à vida cotidiana.

Outro ponto frágil respinga na constância de algumas escolas submeterem seu programa ao programa do vestibular: o programa deve oferecer ao aluno condições satisfatórias de aprendizagem para que possa sair-se bem em provas que exijam um conhecimento compatível ao que foi ensinado´. Assim, temos uma mudança de foco no estudo literário: parte-se do livro em estudo para o contexto histórico.

A história literária deve ser apenas um aprofundamento do estudo literário; conhecer a tradição literária sim, mas decorar estilos de época, não. É importante deixar claro aos alunos as transgressões e as convenções comuns à maioria dos autores da época.

Outro ponto: literatura não pode ser manual de virtude e boa conduta. Por lidar com emoções é importante que os estudantes tomem conhecimento de certas ´perversões´ na literatura que é comum a qualquer ser humano.

Propostas de mudança
Dessa forma, a escola deve ser um local propício para a aprendizagem da literatura. È necessário criar espaços de leitura. As bibliotecas escolares têm papel fundamental no sucesso desse trabalho de iniciação literária e de formação do gosto. É preciso que existam, que tenham acervos significativos, que estejam disponíveis para todos, que o acesso ao livro seja direto, que as técnicas biblioteconômicas de catalogação e armazenagem dos livros sejam adequadas a leitores em formação e sejam a eles explicadas, quando necessário.

Mais importante que tudo, talvez, é que a escola crie, como parte de suas atividades regulares, demandas autênticas de leitura, capazes de fazer da biblioteca um lugar de freqüência praticamente cotidiana.

Se quisermos que o aluno leia e considerarmos que esse é o meio mais eficiente para ele conseguir o saber que a escola almeja, então é preciso mudar o currículo, retirar dele o que é excessivo e não essencial. Torná-lo realmente significativo para alunos e professores."

SARA REBECA AGUIAR DE CARVALHO*
Colaboradora

INCOMPLETUDE

QUANDO A ÁGUA JORRA DESSA ESTRANHEZA ATRAVESSANDO O SER,
ESTE AGUAR PELA COMPREENSÃO DE QUE TUDO QUE HÁ É O POSSÍVEL,
TUDO, ATÉ O FUNDO DO PRÓPRIO FUNDO,
E O CÉU DO PRÓPRIO CÉU,
ABISSAL INFINITO:
INCOMPLETUDE.

PASSAMOS
PELO

BU
RA
CO

NEGRO
DA EXISTÊNCIA
A COMPREENSÃO
É UM EVENTO ORIGINAL,
AUTO-PARTO DE TUDO ANTES MUDO.

PLENO NA QUIETUDE GRITANTE DO SOM.
INFINITO DES-ENTERRADO DE ETERNIDADES.

T. Barros

Haikai

Haikai 1

nasceu no inverno
o berro aquece a tarde
e jorra o leite


Haikai 2

A noite gelada
lua semi-encoberta
desperta saudade


Haicai 3

No leito invernal
o rio amanhecendo
evapora a noite


Tânia Barros

A literatura

Ela foi e continua sendo discutida, falada, analisada sob vários aspectos, idealizada por muitos que acham possuir só uma forma, também continua sendo desmistificada. Velha companheira de homens, mulheres e crianças de todos os tempos, o importante é que a Senhora Literatura está mais viva do que nunca.

Com o evento da internet que trouxe não somente novos leitores como também novos escritores, esta que é uma das mais difíceis artes vem solidificando espaços novos como os sites culturais, e-books e blogs, também especificamente literários. Espaços estes onde se formam verdadeiros saraus cibernéticos nos quais se comenta a literatura informalmente e acadêmicamente.

Se por um lado nesta escritura há uma sorte imensa de temas e estilos facilmente aceitos por uma parcela de leitores pouco habituados com a diversidade neste campo cultural, por outro lado há de se pensar que tal processo é natural, sendo uma etapa inicial da atividade sensível e reflexiva. Podemos, talvez, vislumbrar adiante um desdobrar muito interessante no que toca o nível de leitura, de subjetividade e expressão escrita no Brasil.

Leitura e escrita

A leitura deve sempre fazer parte desse universo criativo, até para que aquele que escreve tenha uma idéia do que já foi realizado, e o que está sendo criado contemporaneamente. Tanto textos de ficção em prosa e verso, como críticas, artigos, ensaios.
O importante é que tal processo vai além do aspecto da leitura do mundo e do conhecimento teórico. Refiro-me ao refinamento espiritual e intelectual da pessoa que escreve e lê. Refiro-me também à possibilidade de participar da vida, da arte, ser um agente do deslocamento daquilo que está cristalizado na língua. Só a literatura proporciona isto.

Representação do real

A literatura é a representação do real. Segundo Barthes, em sua “Aula”, o real não é representável, mas demonstrável. E ainda com Lacan, o real é o impossível de ser atingido, escapa ao discurso.

E a história da literatura é a história de se tentar demonstrar este impossível, este real. É a afirmação do delírio, no salutar sentido de escapar ao aprisionamento da língua. E o deslocar-se é aparecer onde não se é esperado. É fazer sentido num espaço outro, reinventando as possibilidades, e impossibilidades. Como já dizia Cecília Meirelles, “a vida só é possível se reinventada”.

Vasto campo de estudos

A Literatura é um campo onde nada é definitivo. Cada época e cada obra tem seus aspectos mais ou menos diferenciados. Há uma gama incrível de ensaios, teses, artigos sobre o cânon literário, advindos dos acadêmicos da área de Letras com leituras as mais diversas nos campos dos saberes humanos como Sociologia, Semiótica, Psicanálise. Mas é importante dizer que a literatura não é apenas feita dos textos eleitos por uma elite.

Infelizmente nossas faculdades passaram muitos anos deixando à margem de suas pesquisas diversos grandes autores. Aos poucos esta postura vem sendo revista. Inclusive, aos poucos, também, vão se revelando os novos autores que se fizeram e se fazem conhecer primeiramente pela internet. Este é um ponto importantíssimo de análise para aqueles que seguem a carreira de pesquisa em Letras: iniciar um estudo sobre o novo movimento mundial no fazer literário, ou seja, identificar, relatar e analisar este histórico momento quando mais uma vez o avanço tecnológico (vide o surgimento da imprensa) determina e/ou renova hábitos culturais.

Temos aí um vasto campo, seja pela quantidade de textos, pela forma como são divulgados e pelo processo de produção mesmo do texto, sua gênese. Neste caso da literatura que vem se fazendo/divulgando no suporte internet, ou mesmo fora dela, é, na maior parte das vezes, atualmente, feita com um editor que apaga o texto original (outra opção seria abrir um novo documento para cada mudança). Verificamos neste ponto uma pauta para a Crítica Textual (disciplina que procura restaurar o texto original de um documento, que foi alterado no processo de cópia e recópia, escrita e reescrita).


Por T. Barros